Uma (boa) viagem na Serra da Boa Viagem, em Quiaios, perto da Figueira da Foz, entre a praia e a montanha.
Em 2014 contava participar no Red Cross Trail. Quis no entanto o calendário que calhasse no dia da Meia Maratona da Moita, onde fui com as amigas Elsa, Alexandra, Daniela e Joana fazer 21 quilómetros e picos. Este ano, as provas calhariam de novo no mesmo dia mas a opção clara era o Red Cross Trail. Quis o destino ajudar e tive o previlégio e felicidade de ser convidado pela organização (bem como as Ronhonhós) para estar presente neste fim de semana desportivo.
A viagem e a noite
Arrancados de Lisboa após a natação, passagem no Restaurante Marco para um almoço matutino, se não fomos as primeiras pessoas a almoçar, fomos quase. Viagem pela A8 e A17 sem sobresaltos, em direcção à Colónia Infantil Balnear de Quiaios da GNR, onde se centrava a acção da prova: Levantamento de dorsais, partida, chegada e, a nossa suite nos esperava também.
Quando chegámos, ainda estava pouca gente no local. No Sábado à tarde haveria uma prova de K2 (com cerca de 2 kms em formato Up Hill) mas que, devido à fraca adesão foi cancelada. Por um lado fiquei triste, porque gostava de ter participado mas por outro lado ainda bem, seria uma “pequena tareia” e uma antevisão do dia seguinte, era capaz de me ter assustado.
Após uma sesta rápida, fomos até à Figueira da Foz procurar sítio para jantar. Escolhemos o restaurante Paquete, onde repeti a fórmula do almoço (trocando somente a cola zero por água) porque em equipa vencedora não se mexe.
Regressámos a Quiaios “por dentro”, enquanto os aguaceiros iam engrossando e diminuindo à vez, passando em algumas sinalizações da prova, e pelo topo do Farol do Cabo Mondego, onde havia de voltar a passar doze horas depois.
De volta à nossa “suite”, preparar o equipamento e dormir cedo, vantagens de um quarto espartano, sem televisão nem outras distrações.
Na manhã da prova
Despertei uma hora antes do arranque da prova, vantagens de estar hospedado mesmo na zona da partida, como se fosse solo duro, mas com cama para dormir.
Encontro com algumas caras conhecidas, não tantas como é costume mas, o número de participantes na prova também era reduzido. Tinha visto na lista, no dia anterior, cerca de 60 para a prova de 30km (onde iria alinhar na partida) e cerca de 65 para a prova curta (15km, para onde queria na realidade ir).
Pouco antes da partida, a Vanda Fernandes chega-se a mim e diz “olha, vou fazer a prova em modo treino, importas-te que vá contigo?”. Ui. A Vanda, pensei logo eu. Quem já correu com a Vanda, e ela vai muitas vezes às Escadinhas & Subidinhas, sabe a que campeonato ela pertence. “Modo treino? Mas olha lá que vou mesmo muito mais lento do que tu”. “Sem problema, vou contigo”, e arrancámos.
O arranque
Arranquei, a frio, e começou logo tudo a rasgar por ali acima sem aquecimento. Os meus inimigos no tempo frio, as canelas, começaram logo a reclamar. Não gosto de correr em dias frios. Prefiro o tórrido do Verão à chuva e humidade do Inverno mas, a época é de ano inteiro, é andar para a frente.
Subida da praia até ao Farol onde tinha estado na noite anterior. Qualquer paisagem (a direito) era uma boa desculpa para tirar uma fotografia, aproveitando para descansar as canelas, ainda ressentidas do esforço do III Duratrail e dos três treinos da semana.
A Vanda, pacientemente esperava por mim no topo das subidas, e no fundo das descidas. Ora subiamos paredes de pedra e lama, ora desciamos por sulcos de água com pedra, pedra solta e lama. Fui gerindo o percurso e a “pressão” de ter alguém à minha espera, o melhor que conseguia. Palavrão para aqui, assobio para ali, por mais de uma vez (talvez três?) que disse à Vanda (chego à placa e viro para a prova curta, as minhas canelas estão-me a matar, estou cansado e todas as desculpas possíveis e imaginárias), a resposta era sempre a mesma “não vais nada, vamos juntos até ao fim”.
A humidade transformava-se em aguaceiros, e vice-versa. Lá aparecia uma ou outra aberta nas nuvens, abre casaco, fecha casaco, tira fotografia (tirei oito fotografias na primeira parte do percurso), corre, desce de rabo, sobe de gatas.
Separação dos percursos
Chegados ao abastecimento onde se dava a separação dos percursos, com a Carla Fuzeta sempre perto de nós, a decisão não foi fácil. Ou seguia para a prova curta, abandonava o objectivo de fazer a prova longa e desrespeitava a Vanda que me “estava a levar”, ou seguia para a direita, foi o que fiz, o que fizémos, seguimos para a prova grande, conforme previsto originalmente.
Nessa altura, já estava quente, as canelas já não me doiam e, embora o Jorge Freitas me tivesse dito que a partir dali a prova se ia tornar ainda mais técnica, fui sem medo, a tranquilidade da minha companheira de prova abonava para isso.
Tirei o casaco, que estava a incomodar mais do que a ajudar (e que a Vanda levou na mochila dela), guardei o telefone na minha mochila (só tirei uma foto nesta parte do percurso) e entrei então em velocidade cruzeiro. A Vanda à frente, eu atrás.
Quilómetro dezoito e a percepção toldada
Fomos gerindo o percurso lindamente até logo depois do cemitério de Quiaios, quilómetro dezoito, mais coisa menos coisa.
Um cruzamento, sem fitas. Um membro da organização, uma indicação para virar, à direita “Ó João, se calhar é para a esquerda” diz a Vanda, “então, mas o homem diz que é para a direita” digo eu e, 200 metros à frente, uma dezena de atletas a virem para trás.
“Não há fitas”, reclamavam as vozes iradas dos atletas perdidos. Junto ao grupo, o membro da organização e um “local” que tinha uma bicicleta por ali perto e que convivia conosco a dizer que a maneira mais rápida de voltar para Quiaios era pela estrada, “é só virar ali em baixo à esquerda e depois à direita”.
Outras vozes diziam “é uma vergonha, organizações assim são uma vergonha”. Não é justo, não vejo que tenha sido alguém da organização a retirar as fitas mas, adiante, tinha de manter o foco e a objectividade.
No entanto a percepção, na Serra, fica toldada, por mais pequena que seja a Serra. Pensei depois que, em vez de pensar no que a Vanda tinha dito e voltarmos um bocadinho para trás a ver se virando à esquerda encontrávamos fitas, ficámos ali parados, ao pé das vozes iradas, vestindo os casacos pois estávamos a arrefecer. Tirei mais duas fotografias, para arranjar justificativo para me afastar das outras pessoas que estavam por lá.
“Meia hora aqui parados, que vergonha”. Bem, não sei quanto tempo estiveram lá paradas a totalidade das pessoas que iam à nossa frente mas, nós estivemos somente 11 minutos. O membro da organização foi buscar o vassoura lá atrás, de carro, que nos indicou o caminho certo (era à esquerda) e arrancámos por ali fora à força toda. Considerámos, antes disso, se atalhávamos e íamos para o fim mas “Estamos aqui para fazer a prova, vamos até ao fim”.
Terceira parte, até ao fim
Fomos gerindo o resto bem, tivéssemos feito a prova toda como nesta terceira parte, e tinha sido um sucesso. Passámos em single-tracks, leitos de rios, lama e mais lama, pedras soltas e mais paredes.
Na chegada (no quilómetro trinta) à meta, uma caneca de finisher, um arroz doce para cada um um beijinho e um abraço, esta viagem foi suada. A Vanda, mesmo a levar-me às cavalitas, ainda consegui arrecadar o terceiro lugar da geral feminina e o segundo no seu escalão. Bem sei que as participantes eram poucas mas não se pode desprestigiar a prestação, amizade e humildade dela, ainda para mais sabendo que está em preparação para “outros campeonatos”. Fizémos menos de o dobro de tempo do primeiro classificado o que, segundo os especialistas, não é nada mau.
Dentro da “cantina” a Carla e as Ronhonhós à nossa espera. Há pouco a Elsa tinha perguntado se faltava muito, disse 4 quilómetros mas na realidade era só um (a prova foi ligeiramente encurtada) e por essa razão, não estavam na meta à nossa espera.
Almoço e regresso
Descompressão feita, e banho tomado para ir almoçar. Caldo verde, massa com carne e mais arroz doce. Para beber, água, sumos, cola, vinho e cerveja. Optei por comer de tudo e beber uma cola, enquanto a Sara e a Elsa lanchavam ao pé de mim.
Bagagem arrumada, fomos até ao relvado do pátio principal jogar um bocadinho à bola, enquanto esperávamos que o Jorge Freitas e a Ana Pipio acabassem de arrumar as coisas deles também, para nos despedirmos e ir embora. Foi quase como os Rangers, os primeiros a chegar e os últimos a sair.
O regresso para casa sem percalços também, excepção feita ao estacionamento do automóvel. Domingo, hora de jantar, centro de Lisboa, estacionei quase a um quilómetro de casa, o que vale é que para lá era a descer e não chovia ;)
No rescaldo…
Foi um fim de semana bem passado, e uma prova excelente, feita por atletas para atletas. É organizada pela Delegação de Maiorca da Cruz Vermelha Portuguesa, tem o apoio do Figueira Kayak Clube e todas as receitas revertem para essa delegação da Cruz Vermelha.
As marcações estavam óptimas (excepto aquele evento que relatei mais atrás mas que não foi responsabilidade da organização) e os abastecimentos aceitáveis. Na minha opinião faltou somente tomate, sal e eventualmente laranja (só vi banana, marmelada e batatas fritas). A nível de líquidos, tudo impecável.
Este tipo de percurso para mim fica no “limiar da dureza”, felizmente foram somente 30 quilómetros, pois se fosse mais era capaz de me cansar a cabeça (e o corpo claro). Bem sei que há pessoas que adoram provas com escalada, cordas (aqui não havia nenhuma), água até ao pescoço mas, não é bem o meu caso. Gosto de single-tracks e de estradões. Se já corro pouco, apanhando muitas paredes, ainda corro menos. Mesmo assim, foi no limite, se voltaria? Sim, pior do que foi, não pode ser.
No final, só faltou o ex-furacão Joaquin, felizmente ele não apareceu, mas esta não era uma prova de running…
Olha a minha Vanda! Espetáculo! Que furacão!