Às duas da manhã de sábado ainda estava acordado, semi-acordado vá. O Olaf (o vizinho de cima) celebrava os seus 50 anos de vida, e deve ter feito de certeza uma festa daquelas de “50 anos, 50 amigos”, pois a música, os passos e o barulho de festa faziam parecer que tinha 50 pessoas cá em casa. Não faz mal, festa é festa, era sábado, estavamos de pré-aviso e o Olaf é um bom vizinho, adiante. O episódio da Casa de Papel visto com os olhos semi-cerrados ajudou a adormecer, e quando o relógio tocou às 05h00 saltei da cama como uma mola ainda no dia de ontem.
Vesti-me calmamente, tomei o habitual café e pus-me a caminho de Almeirim, para mais uma prova em modo vassoura. Confesso que quando fui convidado pelo Omar em outubro de 2017, no final da Maratona (e da Meia Maratona) de Lisboa, disse não. Não estava treinado, estava todo roto, não estava mentalizado para fazer de novo de atleta-vassoura numa prova de trail nos tempos mais próximos. Ele, tentou aliciar-me dizendo “este ano temos também uma versão de 50km, é porreira, anda vassourar essa” e a reação foi “50km? Tá louco, nem pensar, mas vá, vou à outra abaixo”. Trinta quilómetros (foram 35) era aceitável, a data estava livre, a prova é boa, divertida, não muito complexa e os A20KM – Trail Running Team sabem o que fazem, e merecem o carinho e colaboração.
Assim, na viagem, a minha mente foi divagando entre esse dia e o dia da prova. Chegado às Fazendas de Almeirim um bocado antes da partida da L.U.T.A., deu para cumprimentar os amigos e amigas que iam participar nessa versão da prova, bem como encontrar desde logo outros tantos que iriam participar nas distâncias abaixo. A Patrícia, trazia ao pescoço a colher de “finisher” da primeira edição, a única onde não estive de corpo presente e que, com a medalha de “finisher” deste dia finalizou a minha coleção Almeirinense.
Já com o dorsal e o generoso kit de participante levantados, fui para perto das camionetas que iriam levar os atletas da prova longa para a partida, a uns quilómetros dali. Fui brindado à última da hora pela visita do Rogério que ia à prova de 18 quilómetros e que chegou às Fazendas de Almeirim com os pneus a chiar, fazendo um drift espetacular com um dos seus carros clássicos. Despedimo-nos e entrei na camioneta, fui o último a entrar, a tarefa de atleta-vassoura já tinha começado.
Na zona da partida, no casal da Tira, um frio de rachar. Briefing aos presentes e é dada a partida da prova, à hora certa, onde devo ter percorrido os únicos 10 metros a direito do percurso. Saimos pelo alcatrão, viramos à esquerda e entramos nos trilhos.
Cerca do terceiro quilómetro apanho os últimos atletas. Caiu-me a ficha, e todas as experiências menos boas do passado em circunstâncias similares vieram ao de cima, fazendo-me recuar até ao dia que disse não.
Eles, um casal. Cerca de cinquenta anos. Impermeáveis de caminhada ligeira (previa-se a tempestade Hugo neste dia), ela com uma mochila pequena de caminhada e umas calças de fitness não técnicas, ele com uma mochila gigante de 30 litros e calções de algodão. As meias, um must, iguais a umas que uso geralmente, brancas com riscas, faltava a raquete. Era uma subida, iam a andar, vamos esperar para ver. Aproximei-me mais, falámos um pouco, analisando a situação.
Fomos seguindo, e gerindo, bem. Sempre que iamos a direito ou a descer corriamos, a subir poupavamo-nos, eu também me poupava claro está. Chegados ao primeiro abastecimento, parámos, o Luís e a Anabela, um minuto, eu fiquei três, e quase meio.
Pois é, depois dessa paragem, demorei 11 quilómetros e 1h57 até os apanhar de novo, no próximo abastecimento. Não que tenha ido a velocidade máxima, antes pelo contrário, tirei fotografias, apreciei a paisagem, o dia de Inverno tornou-se num bonito dia de Primavera, mudei de casaco.
Falei com a Elsa, tirei fotografias, apreciei as pastagens e o gado a pastar, as flores, os sobreiros, as pontes e andei por lá à procura de um tubaralho e tudo (não o vi). Fui sendo ultrapassado por atletas da L.U.T.A. e divagando, indo muitas vezes até ao dia em que o running morreu, na Torre (Serra da Estrela) e acerca do qual ainda não escrevi.
Cheguei então à Raposa, onde comi uma canja espetacular feita pelo Paulo Correia, e estavam já a sair o Luís e Anabela, nem me viram chegar parece. Inteirei-me com o Paulo como é que ele estavam, “estão bem” – “também me parece” e segui então mais rápido para os apanhar. E iam bem, cansados, claro está (até eu estava cansado) mas despertos, atentos e focados, e mesmo já com algum desconforto corporal, sem queixas nem comiserações, nem quando a Anabela ficou com o pé preso numa silva e caiu em câmara lenta mesmo à minha frente.
Fomos andando, sempre a “atacar” até ao último abastecimento. Aí conversámos. Já estávamos em cima da hora para chegar no limite. Fiz umas contas de cabeça, mostrei à Anabela e ao Luís a que velocidade deveriamos correr para lá chegar no tempo. Ela disse logo “nem pensar” e “mandou” o Luís embora. Eu, tranquilizei-o “vá, vá que eu fico aqui com ela”, e ele foi, só o voltámos a ver no pavilhão.
Já nós, fomos andando sem quebrar, e a Anabela nunca cedeu nem baixou a guarda, e os últimos dois quilómetros foram feitos entre 5’30” e 6′ por quilómetro, chegando ao final com 6h28 de prova, na quarta edição do Trail de Almeirim, dentro do tempo limite como era seu objetivo.
Na chegada, o pavilhão com grande parte da equipa organizadora à espera de quem ainda estava em prova. Medalha e troféu de agradecimento. Eu, que queria ter trazido o pacote de 20 litros de vinho lá de há 4 quilómetros atrás (aquele que o David e o Joel não deixaram trazer) reclamei.
Deram-me então uma garrafa de vinho Planície também, como prémio de consolação. Fui trocar de roupa sem tomar banho, para voltar e esperar o Granadas, que vinha como atleta-vassoura nos 50 quilómetros. Fui debicando comida e fruta, bebendo água e Coca-cola (da verdadeira) enquanto conversava com os presentes. O Granadas lá chegou, pronto para mais 50 quilómetros (de carro) e fui almoçar, com o Carlos, a habitual sopa da pedra e pampilho, a bifana desta vez passei.
Não fiquei para o convívio final, ainda ia demorar um pouco devido ao desfasamento da minha chegada e da chegada do Nuno Granadas, enquanto no ano passado fui eu o último a chegar, desta vez foi ele. Despedi-me dos que vi, agradeci a confiança e voltei para casa, com a sensação de missão cumprida, e com a certeza de que voltarei, sempre que possa, ao Trail de Almeirim.