20140802_utnlo_cover

UTNLO 2014

Nesta 6ª edição do Ultra Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos, a de 2014, fui o 6º a inscrever-me e o 1º a pagar, calhando-me então o dorsal mágico “número um”, sem “cunhas” nem favorecimentos, apenas com atenção e vontade de participar.

Depois de na edição anterior ter “rebentado” a escala do tempo disponível para completar a prova (embora o tenha feito, diga-se), considerei-a “acessível”, agradável e perfeitamente fazível com o mínimo de preparação, inclusivé dentro do tempo limite. Este ano então, onde tanta coisa mudou, foi tudo muito, diferente…

Os treinos

Tenho treinado diferente, bem diferente, do que treinei no ano passado. As “escadinhas & subidinhas”, e os “treinos semanais das seis da manhã”, todos reforçam o que não fazia no ano passado.

Os dois únicos treinos nocturnos que fiz antes da prova também, o ANTTs II e o Bye bye July in Monsanto serviram para colmatar um período de treino com subidas a pensar nesta prova, mas num registo de “menos elementos presentes” do que no passado, o que implicou também menos paragens e a possibilidade de imprimir outro ritmo, mais meu, à progressão no terreno. Se no ano passado treinava semanalmente à noite, mas praticamente sempre na cauda do pelotão, este ano o plano foi outro.

A companhia

Continuou a mudança, na companhia. Este ano fui para Óbidos em modo Ronhonhós Running Team, com a Elsa e a Sara. Ficámos alojados numa residencial nos arredores de Óbidos, devido às necessidades inerentes de um bebé de colo. Chegámos no sábado perto do almoço, fomos levantar o dorsal, fui descansar um pouco, sabendo que no final da prova, estava a cerca de 4km do quarto, com possibilidade de tomar um banho quente “à descrição” e descansar também um pouco antes de arrancar para casa no dia seguinte.

Continuou a mudança com a companhia na prova. A prespectiva de ter um amigo presente, o Vasco, com um ritmo de corrida próximo do meu, e onde tentariamos ir juntos o máximo de tempo possível, tornou todo o horizonte bem diferente.

Antes da prova

Depois de jantar quase nada (um Fast Recovery, comida de astronauta mas para mim, funciona), após o bife do almoço, fui para a zona de concentração dos atletas, onde as caras conhecidas eram bastantes. Se no ano passado houve um encontrão com quinze pessoas, este ano houveram vários encontrõezinhos com muito mais no total. Fiquei perto do Vasco e do Hervé, de quem já tinha “boas referências” e que conheci neste dia e dada a partida informal, descemos a Vila em conjunto. Perto do pórtico da partida oficial, encontrei-me com o Joel Silva, que se ia estrear então numa prova de trail (a de 26km) e a Elsa e a Sara, com quem me iria voltar a encontrar, se tudo corresse bem, algumas horas depois.

A prova

Dada a partida, oficial, arranquei forte, e em grupo com o Vasco e o Hervé. O ritmo vivaço, sem grandes conversas, e bem diferente de “cabeça” do ano passado. Embora conservador, como habitualmente sou, ia disposto e apontado a chegar ao final do percurso abaixo do tempo limite de nove horas, nem que fosse um segundo abaixo, chegando inteiro à meta.

Levei menos peso comigo também, tanto corporal como de equipamento. A mochila foi substituída por uma bolsa de cintura, onde levava para além dos mantimentos, o habitual kit de primeiros socorros, o obrigatório corta-vento, pilhas extra e pouca coisa mais.

Dizer que o tempo que ia demorar a fazer o percurso me era irrelevante, e que o que importa é chegar ao fim, e aproveitar o passeio e a paisagem, seria tudo falsa modéstia, ia ali para dar o meu melhor, chegando bem ao final, o mais rapidamente possível, ponto final.

Dica
Vai sempre prevenido para uma paragem estratégica quando corres, leva lenços de papel ou toalhetes e, em caso de necessidade, usa o pinhal ou qualquer zona “protegida de olhares alheios” que encontres o quanto antes. Defecar é uma necessidade fisiológica, e todos o fazemos, não há vergonha nisso e quanto antes, melhor.

Lá fomos então, altos e baixos, corre, caminha dinâmico, aguarda. Pouco depois do primeiro abastecimento, depois do gele açucarado que tomei, paragem estratégica no pinhal. Felizmente, o frontal tem um modo que alterna da luz branca para a vermelha, e assim consegue estar-se no privado sem estar às escuras. Nesse tempo, disse ao Vasco e Hervé para irem correndo e já os apanhava, e assim foi, dez minutos depois, nem tanto, estava a chegar ao pé deles “bip bip vvrruumm”, tendo retomado portanto todas as posições perdidas na paragem lá atrás.

Lá fomos continuando os três, ora mais rolantes ora mais “rastejantes”, entre aguaceiros e céu limpo. Por vezes chovia tanto que a luz do frontal só iluminava três metros à minha frente, por outras vezes, até dava para ver as estrelas no céu e levar a intensidade do frontal no mínimo.

Chegados perto do quilómetro vinte e quatro, o Hervé tem um encontro imediato, forte e audível de um dedo do pé com uma raíz de uma árvore, e eu tive o mesmo encontro logo a seguir mas, a pancada foi diferente, cada pessoa é diferente das outras, e cada dedo é um dedo. Ele opta então por ficar nesse abastecimento, e não tive força para o demover disso, tentei bastante, mas não consegui. As opções são assim mesmo, foi pena ter ficado, foi menos um companheiro de viagem mas, seguimos fortes eu e o Vasco.

A seguir a esse abastecimento veio a parte da “areia e das arribas”, até chegarmos ao próximo abastecimento, sacudir a areia das sapatilhas e continuar, para a parte mais “plana” do percurso, contornando um braço da Lagoa em estradão. Por esta altura o meu relógio tinha-se “perdido”. Penso que por levar a correcção WAAS ligada, no final acabei com 6km a mais no percurso, o que estragou a cadência indicada no mostrador, mas o cronómetro mostrava que iamos mais do que dentro do intervalo do tempo limite da prova.

A seguir ao último abastecimento é que ia começar mesmo “a prova” mesmo, o “modo survivor” como carinhosamente o Vasco o alcunhou. Já com a experiência do ano passado e sabendo o que nos esperava, ataquei a última parte do percurso com “unhas e dentes” e nunca desarmei, nem por mim, nem pelo Vasco, que se aguentava estóicamente às investidas do percurso e da minha pessoa. Esperavam-nos partes técnicas e algumas subidas ainda, “agudas”, para dizer o mínimo, com cordas para ajudar.

Nesta parte, depois dos 43km, começam a acontecer os erros, especialmente derivados do cansaço, fraquejos de tornozelos, desatenção nas marcações, por aí. Nós, felizmente, só falhámos 300 metros numa zona das marcações mas, a atenção era redobrada, e eram quatro olhos à espreita.

Dica
Para não te perderes, vai sempre atento às marcações, mesmo que vás em grupo. Nesta prova, as mesmas eram uma fita reflectora, de cerca de dois centrímetros quadrados, colada geralmente à altura da cabeça e para as veres tinhas de apontar o frontal para elas. Nunca confies cegamente em quem vai à tua frente, vai verificando tu também as marcações. Se fores sozinho, faz o mesmo a dobrar.

Falando em cansaço, já mesmo mesmo no final, o Vasco lembra-se da sua veia de mirmecólogo amador, e no início da subida ao Castelo coloca todo o seu conhecimento empírico de mirmecologia em prática. Não tendo resultados significativos de relato, lá se dediciu finalmente a subir a encosta do Castelo comigo, sendo surpreendido pela escada até entrarmos finalmente pela “porta grande”, 50 minutos abaixo do tempo limite para a prova.

Se podia ter corrido mais? Podia. Se podia ter corrido melhor? Não sei. Sim à primeira, não sei à segunda, isso são sempre daquelas questões metafísicas que caem no ramo do “prognósticos só no final do jogo”, os acidentes estão sempre à espera de acontecer, os factos? Chegámos os dois bem, e de boa saúde, isso é que é o objectivo número um, e dentro do tempo. Os outros, são a seguir.

Depois da prova

Este ano, ainda havia sopa e bolachas. Se no ano passado só apanhei água, desta vez havia ainda de tudo na zona da chegada. Haviam amigos à espera, haviam amigos em prova, havia o Jorge Serrazina, como sempre, à espera dos atletas, haviam massagens, haviam sorrisos e “estados de choque”. Comi uma sopa (e só uma, para dar para todos), três bolachas, duas garrafas de água e estava bem, sem massagem. Não ia gastar mais energia e durante as paragens nos fartos abastecimentos, comi sempre o suficiente para não ter fome. Terá sido a primeira vez numa prova longa que não tive fome, agora que penso nisso.

Cheguei como novo, 99% inteiro, com um ligeiro arranhão num joelho e outro num pé, com os pés um pouco enquerquilhados pois os sapatos não escoam bem a água (felizmente não era muita, a água, mas para o Inverno vou precisar de outros que escoem melhor) e pronto para mais, contente de corpo, e com a cabeça no lugar.

Por fim arrancámos, eu e o Vasco, ainda chegavam atletas (e chegaram por mais algumas horas). Infelizmente, não deu para ficar à espera do último dos últimos. Estava encharcado e não tinha muda de roupa por perto. Um misto de suor e humidade cobria-me da cabeça aos pés e ainda tinha os tais 4km para fazer para “ir para o quarto”. O Vasco, amigavelmente, ofereceu-me boleia, tendo ido tomar banho aos balneários disponíveis para os participantes enquanto eu esperava e deixando-me depois na residencial.

Chegado lá, fui directo para a banheira, vestido e tudo (tirei só os sapatos), para tirar a lama, suor e humidade que me cobria, tomando um banho prolongado e retemperador. Depois, fui descansar um bocado, fazendo já contas à participação na VII edição, no ano que vem.

No dia seguinte

No dia seguinte de manhã, acordámos os três, arrumámos tudo e fomos almoçar às Caldas da Rainha dando uma volta a pé pelo centro da cidade, porque a vida não é só corrida ;)

Obrigado à Bernardete Morita, Joel Silva, Associação O Mundo da Corrida e UTNLO por algumas das fotografias.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *