Inscrito de novo desde a hora zero, calhou-me, tal como na edição de 2014, o dorsal número um. Desta vez com menos Espanha e mais Portugal, o III Trail Transfronteiriço de Barrancos vai-me fazer voltar lá, de novo, no ano que vem.
Os preparativos e a viagem
Mais uma vez em excursão maraturística mas desta vez em diferente companhia. Saídos de Lisboa durante a tarde no “Papamobile”, o Pedro Santos, o Joel Silva, o Joel José Ginga e eu dirigimo-nos tranquilamente até Barrancos, passando na EXPO Barrancos para levantar os dorsais e dirigindo-nos de seguida para o pavilhão, onde iriamos pernoitar.

À chegada, montámos a cozinha de campanha no pavilhão. Mesa, cadeiras, chaleira eléctrica, chá, noodles instantâneos e várias fontes de proteína eram a ementa prevista. Jantámos cedo, pois o Gonçalo, Patrícia e Bruno ainda iam demorar a chegar, e fomos dar uma volta por Barrancos para desmoer a massa. Regressados ao pavilhão, a moldura humana começava a compôr-se, embora não tanto (nem tão barulhenta) como no ano passado.
Os meus companheiros de viagem vestiram os pijamas e foram dormir, e eu vim cá para fora ouvir os barulhos silenciosos da noite e entreter os cães selvagens de Barrancos assobiando cânticos de Natal, enquanto esperava a chegada dos outros três companheiros de aventura.

Já era quase uma hora quando eles chegaram. Indiquei o lugar reservado ao Bruno e fui dormir também, que no dia seguinte era para madrugar.
Antes da prova e o arranque
Acordado cedo, pequeno-almoço tomado e arrumar a bagagem. O equipamento pronto da noite anterior facilitou os preparativos e reduziu o habitual stresse pré-prova. Arrancámos, com o Bruno já em “nossa posse”, para o centro da Vila. A partida seria na EXPO mas, ainda fomos procurar café e água (para quem não tinha levado de casa). Encontrámos logo a Patrícia e o Gonçalo, a Célia e o Nuno e a equipa Trilho Perdido. Fomos para a zona da partida e mais caras conhecidas começaram a aflorar por lá.
O dia estava fresco mas descoberto e sem nuvens. Já se previa que estivesse um “calor jeitoso” durante a prova e optei por levar roupa “leve”, embora fosse de calças, levei camisola justa, t-shirt manga à cava, manguitos. Arranquei de gorro polar e camisola de flanela mas tirei-os logo antes de começar a ter calor, na primeira subida. As amigas e amigos da prova curta ficaram na zona da partida, e arrancariam uma hora depois de nós, voltaríamos a encontrar-nos no final.
A prova
Este ano, a prova, era diferente. O ano passado era em linha, saia de Espanha, acabava em Portugal. Este ano, saia de Portugal, ia a Espanha e voltava a Portugal. No arranque, eu, o Bruno Matias e o praticamente queniano Joel José Ginga. O Joel José arrancou forte e só o voltei a ver no final.
O Bruno optou por ficar ali perto de mim, maioritariamente à minha frente. Ainda tentei demovê-lo de ficar ao pé de mim e mandá-lo embora. Usei ameaças variadas, dizendo sempre que assim que pudesse fugia dele, que ia ser uma chatice ficar ali perto de mim, que estava cheio de gases e que a viagem de horas ia ser um horror mas, não consegui. A gripe da semana anterior ainda mostrava a sua força, e puxava-me para a fraqueza. O Bruno foi estoicamente, durante cinquenta e cinco quilómetros e nove horas e vinte a puxar por ele e por mim. Se as pernas eram minhas, a cabeça era dele, e quase nunca olhei para as fitas de sinalização, pois ele sabia perfeitamente o que estava a fazer.
Até ao quilómetro trinta e sete, a primeira passagem no Castelo de Noudar, a prova foi um “paraíso”. Embora houvessem partes técnicas, descidas a pique e bastantes paredes, não foi nada por onde nunca tivesse passado. No entanto, conhecendo já minimamente a zona do rio, e sabendo que ali era para descer, vi que o caso ia mudar de figura, rapidamente, e para pior.
Teriamos de estar de volta ao Castelo daí a cerca de uma hora e meia, eram só quatro quilómetros (cinco vá), coisa “simples”. Foi uma hora e cinco, o que demorámos a dar aquela “voltinha lá em baixo”. Quatro quilómetros, uma hora e cinco. O sítio é fantástico, descer do Castelo à beira rio, dar a volta no prado e voltar a subir mas, duro e complicado, tanto tecnicamente como de cabeça.
Contar com a hora de corte lá em cima, gerir a fome e a sede, a bela vista, o cansaço, a desidratação eminente, saber que daí a duas horas começa a anoitecer, passar em zonas de sombra e gelar enquanto se transpira por todo o lado, ultrapassar e ser ultrapassado, foi complicado, fui-me um bocado abaixo nesta parte da prova confesso e já estava a ver o filme mal parado. “Mandei” o Bruno embora uma última vez enquanto tinha força para isso, como receio de sermos ambos barrados. O Bruno, no entanto, não me deixou ficar ali no meio do nada, lá me foi puxando, bem como à Teresa Bemfeita e à Tita conforme passavam por nós e nós por elas até ao início da subida de regresso ao Castelo e aí, arrancámos.
Fortes, era só mais um quilómetro até ao castelo, à sopa, comida e descanso. Chegámos lá com trinta minutos de folga para o corte, a um cenário um tanto ou quanto, não sei como qualificar mas “desolador” por um lado, com participantes sentados derreados, e “esperançoso” por outro com gente a ir-se embora ou a preparar-se para partir.
Tinhamos esses trinta minutos para lá estar, e no meio das quatro sopas e duas coca-cola que consumi apareceram os amigos da prova curta, já de banho tomado mas, sem almoçarem, para nos dar um granda apoio, ímpar e bastante bem vindo.
Montei o frontal, vesti o corta-vento e arrancámos de novo para a parte final da prova, basicamente ir de novo à beira rio, atravessar a ponte e fazer a parte final da prova pequena.
Tudo decorreu sem sobressaltos. Nem eu nem o Bruno já tinhamos muita força, corriamos a direito e a descer, caminhávamos vigoroso nas subidas. O Sol cada vez mais baixo e a temperatura também.
Na chegada
A chegar a Barrancos, já de noite, a recepção das amigas e amigos. A festa e a alegria de ter ultrapassado os desafios, o relaxar finalmente depois de nove horas e vinte de viagem.
Receber a original medalha de “finisher”, mais comida, os parabéns dos voluntários, o Ico, o Paulo (ainda há uma sopinha?) e o João, os rapazes da grelha, a febra, as cervejas (não bebo mas a sua presença “conta” para mim), o duche, a massagem (que não fiz mas é sempre bom encontrar o Rui e a Maria Helena da Fisio Massagem), a conversa de balneário com quem partilha os chuveiros conosco, o regresso à zona da recepção.
Ver as amigas a receberem prémios, ver os seus sorrisos sabendo do seu esforço. Trocar sorrisos e obrigados uma vez mais, perceber onde se vai jantar e arrancar para “cima”.
A viagem de regresso
Alguns quilómetros depois do arranque, paragem em Mourão para jantar uma açorda alentejana com bacalhau, num restaurante onde se pagam 10€ por pessoa pelo menu completo e se tem “guardanapo de pano” disponível. Isto não acontece todos os dias, não.
O “papamobile” voltou mais cheio para casa. Cheio de pessoas, de alegria, de planos, mas com algum desalento também. Dois de nós iam à prova grande e, por motivos variados, optaram ou forma forçados a ir à pequena mas, como costumo dizer “mais valem 25 quilómetros de qualidade do que 50 quilómetros de porcaria”, e montes e vales é o que não falta por aí.
Deixando cada um na sua casa, fui o último a quem o Pedro deixou, despedimo-nos com um até breve e fomos embora.
No dia seguinte, fui “comparar tempos”. Afinal de contas, não me lembrava quanto tempo tinha demorado no percurso na edição de 2014 da prova. Então não é, bem vistas as coisas e arredondando tudo, foi menos uma hora do que na segunda edição? Isto num percurso bem mais complexo e exigente? Obrigado treinos, obrigado gripe e obrigado Bruno, sem dúvida que grande parte desse tempo bem conseguido veio da força que me transmitiste. Venha a próxima, bóra lá!