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Trail Centro Vicentino da Serra, 2016

Diz-se que à terceira, é de vez. Não fui à primeira, e ouvi dizer bem. Não fui à segunda, ouvi dizer ainda melhor. Fui então à terceira edição do Trail Centro Vicentino da Serra (TCVS) em Portalegre, terreno de várias provas de corrida em trilhos. A inscrição, foi para os 42 quilómetros.

Partimos Sábado à tarde, os Irmãos Matias e eu, em direcção a Portalegre. O plano era simples, e o que tenho adoptado, ir para o Pavilhão (solo duro) para jantar e pernoita. Chegados a Portalegre fomos directamente levantar os kits de participante. Dorsal, camisola, chícara da Delta Cafés, barra de cereais. A feira / exposição do evento confesso, fracota, somente dois stands presentes com pouco ou nada de novo para ver. Arrancámos então para o Pavilhão. Chegados à porta, fechado, consulta do PDF enviado pela organização e constatamos que só abria às 21 horas.

A meu ver, este é o primeiro ponto que poderia ser melhorado (não foram só coisas boas na prova). O Pavilhão poderia/deveria abrir mais cedo pois às 21 horas iria decorrer uma prova para crianças, num jardim ali perto à qual gostaria de ter assistido mas, já jantado e com o acampamento montado. Depois de dois ou três telefonemas, e de nos terem dito que o Pavilhão ia abrir mais tarde, lá apareceu alguém com a chave. Entrámos e montámos o acampamento, zona de dormitório e cozinha. Chegaram a Alejandra e o Bruno e jantámos então, já não podendo ver as provas dos Kids devido à hora adiantada.

A noite passou tranquila, a chover, quase sempre a chover. De manhã, pequeno-almoço tomado, acampamento arrumado e arranque (a pé) para a zona de partida. A chuva misturava-se com a humidade e sentia-se a expectativa no ar. Dentro do mercado, zona da partida (simbólica) e da chegada, o briefing. Um bocado fatalista, o José Presado falava principalmente dos perigos com que os participantes se iam deparar, e com razão. A Serra não perdoa, seja no Verão seja no Inverno, se não a respeitamos, damo-nos mal e, basicamente era essa a mensagem dele, cuidado e respeito.

Entretanto, aparecem a Vanda e o Mário. O Mário ia à prova curta e a Vanda diz “vou convosco, pode ser”? Ora claro que sim, a Vanda Fernandes, com quem já tinha feito a prova no Red Cross Trail de 2015, para além de “correr que se desunha”, é uma pessoa extremamente paciente (pelo menos neste contexto) e que sabe estar em prova. O Bruno e o Ricardo, companheiros habituais de treino, são diferentes, bem diferentes, somos todos diferentes. O Bruno Matias é mais espalhafatoso e brincalhão, sempre pronto a animar ou dizer um palavrão, e o Ricardo mais focado e preocupado. Eu, no grupo, talvez fosse o outro extremos da balança. Arrancamos então em quarteto, e foi um bom quarteto, diria. Durante a prova eu fui praticamente sempre no fundo do grupo, alternando com o Ricardo, e o Bruno e a Vanda praticamente sempre na frente, alternando um com o outro.

Obstáculos não nos faltaram. Uma salamandra humana de tamanho gigante que arrancou um grito à Vanda, subidas escorregadias, descidas vertiginoas. Up Hill e Down Hill, pedra, lama, água (até pela cintura a tive), lama (já disse isso não disse), árvores para abraçar, chuva, granizo, vento, mais chuva, cordas para subir, cordas para descer, cordas a direito para atravessar ribeiros. Abastecimentos, nos sítios marcados, e todos bem apetrechados. Membros da organização, bombeiros, comida, bebida, café expresso num deles, sopa noutro (comi a penúltima, infelizmente não sobrou para quem veio atrás de nós), fotógrafos e trilhos limpos e espetaculares, se passámos em alcatrão, quase nem dei por ela. Tenho de realçar que as marcações que estiveram impecáveis, as fitas daquela cor, laranja e branco, resultaram muito no meio da vegetação verde e vermelha, do cinzento da pedra, do castanho da lama e do branco do nevoeiro, espaçadas devidamente e de tamanho generoso, nem uma vez hesitei no caminho a seguir.

A parte humorística no meio disto tudo foram as placas, especialmente aquelas que estavam no topo das subidas, que diziam qualquer coisa como “relaxe, escute e aprecie a paisagem”, sendo que a paisagem nestes sítios era composta por um raio de três metros de pedra, uma fita e eventualmente algumas poças de água, e tudo o resto à volta era branco (nevoeiro) com ou sem chuva, e com um vento ululante que não dava para abrir os olhos ou ficar parado a apreciar fosse o que fosse. Humor, da planície alentejana, só pode.

Seguindo em frente vem o mas do percurso. Há sempre um mas, nem tudo no percurso esteve bem. Na parte final, já após o quilómetro 37 (onde os participantes seriam cortados se passassem depois de 8h30 em prova), chegámos à “Amazónia Vicentina”. Amazónia, o nome diz tudo, ou quase tudo. Rio (ou Riacho) e vegetação. Não vi cobras nem lagartos mas vi uma corrente muito forte e a água, claramente acima do nível previsto. Como é que sei? Havendo fitas de marcação em troncos que estavam bem debaixo de água, claramente havia ali algo que tinha fugido ao controle da organização. A minha sugestão, para a próxima edição é, em todos os troços onde haja travessia de ribeiros, colocar cordas, tal como estavam colocadas até ali. Uma companheira de prova que foi rondando o nosso grupo ainda passou por uma dificuldade numa das travessias, valeu uma mão das nossas que por ali andava. Eu próprio, imagino que se fosse sozinho, a minha impressão geral da prova fosse diferente, e que tivesse demorado bastante mais tempo nessa parte.

Já a chegar a Portalegre, entrada triunfante no mercado, cerca de 7h50 depois de termos partido. O meu objectivo era fazer a prova no máximo em 8 horas, e foi batido, por pouco mas foi batido. Corri sempre que consegui e nunca entrei em pieguices. Durante a prova só tirei uma fotografia, a que ilustra este artigo. Pelas contas que já fiz antes, cada fotografia demora-me um minuto a tirar, é só fazer contas… Durante a prova também, considero que geri exemplarmente o que comi e o que bebi. Nunca tive fome, nunca tive sede, nem uma cãimbra, nem frio. O único precalço físico foi uma pancada com um joelho numa pedra e o mergulho até à cintura, nada de mais.

Fotografia do António Soares, dos RFRPSI.
Fotografia do António Soares, dos RFRPSI.

No mercado então, chegada com quatro sorrisos nos lábios. A Liliana a dar medalhas espetaculares, feitas à mão por utentes da CERCI PORTALEGRE, o Roberto a dar abraços, o José a dar no microfone. Eles os três, os rostos mais visíveis de um grande grupo que torna possível fazer uma festa de corrida como estas.

Saídos do mercado, fomos ao Pavilhão tomar banho num balneário em estado indiscritível (embora a água estivesse quente) e voltámos ao mercado a jantar, onde nos juntámos de novo à Vanda e ao Mário, para mais dois dedos de conversa, antes de arrancarmos cada um para sua casa, já de noite.

Em jeito de rescaldo, e para finalizar, este Trail Centro Vicentino da Serra é uma prova que recomendo, fiz bem em ir e voltarei. É uma prova de atletas, para atletas. Classificada na distância em que participei como TL/D (D, de difícil) é preciso cabeça fria e alguma preparação para se enfrentar condições como as deste dia, para além de levar equipamento adequado, não descurando as extremidades, e não descurar também a alimentação e hidratação, não é por ser Inverno que se deixa de desidratar.

Sendo assim, Trail Centro Vicentino da Serra, adeus e, se tudo correr bem, vemo-nos em 2017.

 

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