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UTNLO 2013

Ultra Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos, 5ª edição, de 2013, publicado originalmente aqui.

Ou “O meu relato do Ultra Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos de 2013” ou “Como é que me meti na minha segunda aventura auto-impulsionada mais longa de sempre, sendo que a maior a seguir a esta foi de bicicleta e foram ‘só’ 60km” ou “Como é que trinta metros a andar dentro de água estagnada, no quilómetro 49 da aventura, não me incomodaram absolutamente nada e não mudaram nada em mim”.

Começando pelo fim, o que importa é a maneira como chegamos lá. É importante também a forma como nos preparamos para aventuras destas, e que aventura esta mas, a maneira como acabamos é a que deixa marca, é dessa que nos vamos lembrar.

Começa então, o relato desta aventura, mais ou menos, pelo fim.

Começa pelas palavras da sobejamente conhecida Analice Silva que, sem peneiras absolutamente nenhumas, e do alto da sua simplicidade, me diz exatamente isso, quando faltava um infindável quilómetro para o final, “o que importa é a maneira como chegamos lá menino, tem de ser com um sorriso. É difícil, por vezes é difícil, por vezes corre mal, mas é sorrir…”. E nada mais, é sorrir, é assim que acaba, e é assim que deve ser.

Continua então a história para trás, pura e simplesmente imprevisível e inexplicável.

Passando pelo simplesmente imprevisível e inexplicável Daniel Ramos, com a sua placa-mascote-faltam-25-kms, à minha espera. Corrijo, à nossa espera, pois eu não estava e não estive sozinho nesta aventura, nunca, mesmo passando quilómetros sozinho, nunca estive sozinho nesta noite, vejo-o agora.

Estava ele, então, o Daniel, há horas, preocupado e expectante, e numa posição estratégica, num ponto “infernal” do percurso. Ele, e mais algumas caras conhecidas e amigas, todas mais à frente do que ele (devem ter combinado dessa forma, só pode) e, umas mais conhecidas, outras que se tornam mais conhecidas e outras ainda, mega-conhecidas, habituais e repetentes e que nunca se cansam de ser bem vindas à chegada.

A Ana São Bento que, pela terceira vez vejo, à espera dos amigos numa chegada de uma prova hiper-mega-demorada (bando de coxos que não corre nada e, eu sei, estou cheio de hipérboles e hífenes a escrever, hoje), o Didier Valente dos “esquilos”, com um estojo de primeiros socorros a postos, para o que desse e viesse imagino, o José Carlos Melo dos Run 4 Fun, os outros Run 4 Fun, acabados de chegar mais perto ou mais longe da minha posição, mas felizmente, à espera, caras conhecidas, amigas, valentes, à espera, e a acabar.

Vejo o Gomes da Silva, preocupado, confesso que fiquei preocupado também. Foste embora logo à minha chegada… Meu Amigo, meu mentor e motivador, obrigado por teres esperado, e parabéns pelos teus primeiros 50kms, gostei de estar ao teu lado, quando estivémos. Deu para perceber que a distância é relativa, e que no final bate sempre tudo certo.

Deixem-me deixar por escrito, de novo, e para quem ainda não o sabe, não o ouviu e não o leu que o Gomes da Silva, foi o meu “clique” para deixar o tabaco, algo que fiz no dia 1 de novembro de 2012, a ele, e para ele, todo o meu mérito e vénia pela motivação e conversa diária. Gomes, meu “afilhado”, todos temos de sair da nossa zona de conforto para nos superarmos, a endorfina é tramada cuidado com ela que engana bem quando pode, temos de estar sempre preparados e atentos a tudo, é o que é, nos trilhos e na vida. Subir é fácil, descer é complicado, molhar os pés então, upa upa ;)

No final então, a melancia, água e refrigerante à base de açúcar que esperavam também esta liga dos últimos. O Eduardo Santos que esperava toda a gente chegar para desmontar o arsenal técnico e arrancar a acompanhar o Pedro Coelho no Algarve. A sopa, que já não havia mas que, um simpático elemento da organização foi ainda procurar, nem que fosse em modo gaspacho, não havia, não houve, sem problema.

Outro membro da organização que veio ter comigo a perguntar o que eu tinha achado, se calhar era o mesmo que foi procurar a sopa, confesso que não me lembro… As fotos, os alongamentos, as massagens (das quais não usufrui), o modo desconforto, o modo raios que não acabei isto a tempo, o modo túnel cheio de água residual, o modo escadas, o modo falta a Mariana e o outro rapaz, o modo chegaram os moços do BANIF, o modo riso, o modo silêncio, o modo frio, o modo nascer do sol, o modo devia ir lá para trás para o pé do Daniel, o modo devia alongar mais e melhor que balda, o modo tenho de ligar o outro telefone que o primeiro ficou sem bateria, o modo não há comida, o modo eles chegaram, o modo, o modo, o modo, tantos modos… Ao fim de nove horas e meia, não há muitos modos possíveis e voltando atrás no voltar atrás, “é chegar com um sorriso”.

É possível treinar isso, acredito que sim, e cheguei ao fim tal como estou agora, partidinho, mas bem, e com um sorriso. De cabeça, bem também, isto acaba por ser treino de corpo e treino de cabeça, é o que é, e há dor, e dor, há dor de músculo e dor de cabeça, modo consciência, e cada uma é como cada qual. Chego ao fim da prova também a pensar, e praticamente com a certeza de que, entre estrada, areia e trilhos, estamos a comparar calças com camisas e com casacos, e não há comparação possível, é impossível.

Mais para trás, a escada para o Castelo, parece já ser conhecida, é só uma escadita. Eu que moro perto do Castelo de São Jorge, para mim, nada de problemático, mas, a seguir veio…

O túnel de lama, o lodo, o esgoto, a prova de passagem à idade adulta. O horror que desacredita tudo, o que for, o alvo das reprimendas.

O já falado, comentado e mal-afamado elemento disruptor de qualquer “runner” que se preze.

É o poço de bactérias, é o fim do mundo em cuecas.

É o causador de mais rumores nesta quinta edição desta prova, do que a arriba vertiginosa de quatro andares ao fim de 25 quilómetros, isto já com o pessoal todo empenado, é o terror das provas de trail em Portugal, a razão pela qual alguns atletas se congratulam de não ter participado e terem ido à caminhada, pois parece que já estavam a adivinhar a surpresa, é a razão porque alguns atletas dizem que nunca mais vão a Óbidos e a este trail nocturno é, repito, o fim do mundo em cuecas e, a água, chegava até às cuecas.

No meu ponto de vista, nada diz que éramos obrigados a passar por lá, quem não passasse, era desclassificado, nada mais simples. O regulamento é simples e, se a organização não visse quem não quisesse passar a dar a volta, a consciência ditaria a sentença, digo eu. É simples, é seguir o percurso, quem não segue, é desclassificado. Foi tão horrível assim passar por ali? Bem… Pessoalmente e fora do contexto, seria excusado fazê-lo mas, no contexto, porque não? Que tal ler os regulamentos? Uma vez na vida? Pelo menos?
Preocuparmo-nos e prepararmo-nos, para o que der e vier? Ou vamos a contar com o ovo dentro da galinha? Deixemo-nos de puritanismos, por favor.

Eu, pessoalmente, mesmo estando avisado do túnel fedorento, por SMS pela parte de uma amiga que tinha feito a versão curta mas que, para o ano que vem, vai à versão longa (certo, Lígia?), perdi-me nessa zona, bem como noutras também, nada de novo, nem me preocupei, sabia o caminho de volta, e tinha o mapa estudado, cábula no bolso, comida e bebida comigo.

O cansaço e o sono fizeram-me dar uma “granda volta” perto do túnel e contornar a ETAR, com pessoal a gritar do cimo do Castelo que não era por ali mas, em negação total imagino e percebo agora, e nesse túnel passei, sim. Parei a olhar para ele, não quis acreditar e fui, hipnotizado, dar a volta. Ao passar por ele, fiquei com marcas irreversíveis na roupa que utilizei mas, passei. Podia, e estive a poucos metros de dar uma volta por outro lado mas, isso seria como render-me ao “Lado negro da Força”. Vera Alves, sabes do que falo ;)

Adiante, e para trás, fui acompanhado durante uns infindáveis quilómetros, a partir do trinta, pelo rebocador Ruben Costa, especialista em seguir pistas de índios Apache em canaviais, e antes disso pela repetente e experiente Gina Correia, com quem tive o previlégio de privar durante a parte das arribas e das descidas até à praia, e com quem conversei sobre a vida, o Universo e tudo o mais.

Mais para trás ainda, na prova, encontro em alguns pontos de abastecimento o Gomes da Silva, a Mariana Monteiro, o Ricardo Oliveira e a Sónia Dionísio, que foram eles, “ambos os dois”, companheiros de viagem inestimáveis e super-agradáveis, tanto para cima, como para baixo.

No final, e para finalizar que não me vou alongar muito mais, vou dar um salto na corrente temporal da história. Cheguei a casa inteiro, são e salvo, e com um sorriso nos lábios e também, confesso, com um andar ligeiramente novo, ligeiramente, somente!

Acordei a Elsa e por consequência a Baby Sara, os cães e os gatos. Tomei banho, primeiro de mangueira no quintal, bebi dois cafézinhos, trinquei qualquer coisa, fiz um debriefing rápido e, pensei e verbalizei algo como “será que para o ano que vem volto lá?”, com a resposta de “talvez”.

Não digo que o túnel me tenha assustado, longe disso mas, senti-me pouco preparado, especialmente sendo a prova nocturna, e talvez pouco preparado de cabeça pois, para finalizar, acabei a prova para além do tempo limite, fui ingénuo nos últimos quatro quilómetros (que demoraram uma hora a completar), falhei com parte do grupo final, deixei-os para trás para tentar acabar dentro do tempo limite e afinal de contas, não acabei blergh para mim…
Para quê tentar ficar uns minutos à frente deles quanto teria sido muito melhor chegarmos todos juntos, e puxar mais por eles na altura em que precisávamos mais uns dos outros?

Bolas, que raio, olhei bastante para o meu umbigo nessa fase. A culpa não foi da organização, foi minha mas, eh pá, sou somente humano e, falho também, e na próxima vez, vou mais mentalizado do espírito, porque a vida não é só corrida ;)

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